domingo, 22 de dezembro de 2013

O Encontro no Sertão

            Encontraram-se de frente e pararam, diferente das situações normais onde as pessoas que passam do nosso lado menos importam. Ficaram um tempo se encarando. Naquele vazio e imenso sertão acalorado e seco do nosso Brasil, onde num raio de uns bons quilômetros só existiam aquelas duas figuras, cada um vindo de um lado com algumas horas, ou melhor, dias sem encontrar ninguém, resolveram um dar uma chance para o outro. Ela tinha uma aparência assustada, mas era muito bela. Notava-se que estava sofrendo há algum tempo. Ele tinha uma aparência bruta, uma barba rala e um suor constante no rosto.
            Sentaram e resolveram descansar. Nosso desbravador abre a sua bolsa e pega uma de várias garrafas de cachaça que levava naquele velho e costurado acessório. Oferece a assustada moça e logo vem a resposta:
- Não, obrigada. Eu sou muito fraca para bebidas.
Ela pergunta pra ele qual o motivo de estar ali naquele ambiente. O rapaz explica que ouviu algumas histórias contando a existência de ouro naquela região e saiu, na coragem, para ver se era verdade. Várias semanas se passavam e ele estava percorrendo o sertão brasileiro sem sucesso em seu objetivo. Ele retruca a pergunta e recebe como resposta da moça um choro. Ela envergonhada acaba cobrindo seu rosto com a mão. Num gesto suave, ele diz pra ela não ter medo e a pergunta de novo o motivo dela estar ali:
- Eu... fu... fugi de casa! Não aguentava mais aquele lugar.
- Bem, mais porque?
- É o meu padrasto. Bem...
- Bem?...
- Ele... Abusava de mim.
            O rapaz faz um carinho nela que acaba aceitando e chora deitado no colo dele. Ela continua sua explicação dizendo que foi perseguida e correu bastante até um ponto em que não sabia mais onde estava. O medo de encontrar aquele terrível homem de novo a fez continuar seguindo sem rumo. Depois de alguns dias ela estava ali, chorando nos braços daquele desconhecido.
            Num gesto totalmente surpreso, ele a tenta dar um beijo que dá um pulo assustada e vai para uma distância longe de onde estavam . Ela olha pra frente e pensa em continuar fugindo, mas desiste pelo cansaço. Volta para perto do cara e pede, quase implorando, que ele a ajude a levar até a cidade mais próxima. A reposta dele é que não ia acontecer mais aquela situação e promete ajudar. Explica também que é melhor passarem a noite naquele lugar, pois ele conseguiria lenha e carregava uma caixa de fósforo em sua bolsa e tinha uns pedaços de pão duro que usariam para matar a fome.
           A noite cai naquela estrelada noite e os dois conversam, contando um a vida do outro. Coincidentemente as duas são totalmente sofridas. Ele abandonou a casa pra ir atrás da riqueza, mas na verdade o motivo é que não aguentava mais sua família. Ela conta que seu pai morreu cedo e logo sua mãe colocou um outro homem dentro de casa. Esse que sempre a abusava, principalmente quando bebia. Ele a encara com um olhar encantador, paralisado como se um feitiço o tivesse atacado. Ela pergunta o que está acontecendo e como resposta ele oferece mais uma vez sua cachaça. Acontece pela segunda vez a recusa, seguido de uma breve explicação do rapaz aventureiro:
- A bebida pode ser a maior causadora dos problemas, mas também pode ser a cura deles.
            Depois de risos dos dois ela acaba aceitando um copo. E depois seguem mais dois, três copos, uma garrafa e no final eles acabam encerrando aquele falso jantar com duas garrafas de cachaça vazia. Decidem dormir e no dia seguinte caminhariam juntos até alguma civilização. Trocam boa noite e a moça com uma aparência melhor deita com uma bela cara de anjo. Ele fica admirando aquele rosto dormir o melhor dos sonos, sendo iluminado pelo fogo da fogueira que ainda ardia. Depois de um tempo acontece uma aproximação até o corpo feminino. Ele passa a mão pelo corpo dela e não acontece nenhuma reação. Fica com um certo receio, aquela dúvida se há uma certeza ou não pelo sono, mas resolve ir mais adiante. A mão passa por debaixo da blusa e chega aos seios. Nenhuma reação é esboçada e o avanço continua. Depois de um tempo ela está praticamente sem roupa e o abuso acontece. Um abuso aquecido pelo fogo que parecia vindo diretamente do inferno.
            No dia seguinte ela acorda muito tonta pela ressaca da noite anterior e percebe estar sozinha no ambiente. Se assusta e começa a olhar na redondeza. Pensa em gritar o nome do rapaz da noite anterior, mas se lembra que essa informação não foi trocada com ele.
- Moço!... Moço!... Moço!!
            Depois de uns 5 minutos ela desiste da gritaria e senta praticamente com um desespero estampado na cara. Quando o pessimismo tomava conta, escuta gritos e barulho de correria. Do horizonte ele vinha berrando:
- Conseguimos! Conseguimos! Estamos ricos!
            Levava em sua mão uma boa quantidade de ouro. O suficiente para recomeçar a sua vida em qualquer cidade que encontrasse primeiro. Deu um abraço nela e falou:
- Estamos ricos.
- Estamos?
- É claro! Quero que você viva comigo a partir de agora.
- Mas nem sou sua esposa.
- Mas pode ser. Quer casar comigo?
- Aiii... quero sim!
            E se beijaram. Foi um longo beijo. Qualquer pessoa que estivesse vendo aquela situação iria dizer que até música tocava ao fundo daquela cena. Começaram a fazer planos e seguiram o rumo até a próxima cidade. Até que ela perguntou:
- E eu que não perguntei o seu nome hein.
- Então pergunta.
- Qual o seu nome?
- João.
- O meu é Maria. – respondeu ela antes de abrir o sorriso.
            Mais uma longa caminhada pelo deserto seco seguiu e nenhum sinal de civilização pela frente. A noite veio mais uma vez e dessa vez mais estrelada que a anterior. Uma lua cheia iluminava o chão como se fosse uma lâmpada das mais potentes. Estavam felizes. A mesma situação da noite anterior se repetia, mas dessa vez Maria decidiu beber menos cachaça. Parou em dois copos. João dessa vez deu sono mais cedo. Na hora em que foi se deitar deu um super beijo em sua nova acompanhante e prometeu que o dia seguinte seria totalmente diferente.
            Maria olha o rapaz em seu sono feliz. De repente é a mão dela que vai passeando pelo corpo dele. Dessa vez começa pela região do peito e vai subindo, chegando ao pescoço delicadamente. Nessa mesma hora, ela faz a maior força que já tinha feito na vida e praticamente com suas duas mãos estrangula o pescoço dele. Depois de um tempo, ainda suspirando, ela coloca sua mão perto do nariz do rapaz. Não existe mais respiração. Ela se afasta e deita esperando o dia clarear. Logo assim que amanheceu, ela pega o ouro que ele levava, sussurra no ouvido dele dizendo:
- Adeus, João.
           E vai embora seguindo seu rumo pelo sertão de nosso país com a cara mais feliz que alguém poderia ver...

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