Encontraram-se de frente e pararam, diferente das
situações normais onde as pessoas que passam do nosso lado menos importam. Ficaram
um tempo se encarando. Naquele vazio e imenso sertão acalorado e seco do nosso
Brasil, onde num raio de uns bons quilômetros só existiam aquelas duas figuras,
cada um vindo de um lado com algumas horas, ou melhor, dias sem encontrar
ninguém, resolveram um dar uma chance para o outro. Ela tinha uma aparência assustada, mas era
muito bela. Notava-se que estava sofrendo há algum tempo. Ele tinha uma
aparência bruta, uma barba rala e um suor constante no rosto.
Sentaram e resolveram descansar. Nosso
desbravador abre a sua bolsa e pega uma de várias garrafas de cachaça que
levava naquele velho e costurado acessório. Oferece a assustada moça e logo vem
a resposta:
- Não,
obrigada. Eu sou muito fraca para bebidas.
Ela pergunta pra ele qual o motivo de estar ali naquele
ambiente. O rapaz explica que ouviu algumas histórias contando a existência de
ouro naquela região e saiu, na coragem, para ver se era verdade. Várias semanas
se passavam e ele estava percorrendo o sertão brasileiro sem sucesso em seu
objetivo. Ele retruca a pergunta e recebe
como resposta da moça um choro. Ela envergonhada acaba cobrindo seu rosto com a
mão. Num gesto suave, ele diz pra ela não ter medo e a pergunta de novo o
motivo dela estar ali:
- Eu...
fu... fugi de casa! Não aguentava mais aquele lugar.
- Bem, mais
porque?
- É o meu
padrasto. Bem...
- Bem?...
- Ele...
Abusava de mim.
O rapaz faz um carinho nela que
acaba aceitando e chora deitado no colo dele. Ela continua sua explicação
dizendo que foi perseguida e correu bastante até um ponto em que não sabia mais
onde estava. O medo de encontrar aquele terrível homem de novo a fez continuar
seguindo sem rumo. Depois de alguns dias ela estava ali, chorando nos braços
daquele desconhecido.
Num gesto totalmente surpreso, ele a
tenta dar um beijo que dá um pulo assustada e vai para uma distância longe de
onde estavam . Ela olha pra frente e pensa em continuar fugindo, mas desiste
pelo cansaço. Volta para perto do cara e pede, quase implorando, que ele a
ajude a levar até a cidade mais próxima. A reposta dele é que não ia acontecer
mais aquela situação e promete ajudar. Explica também que é melhor passarem a
noite naquele lugar, pois ele conseguiria lenha e carregava uma caixa de
fósforo em sua bolsa e tinha uns pedaços de pão duro que usariam para matar a
fome.
A noite cai naquela estrelada noite
e os dois conversam, contando um a vida do outro. Coincidentemente as duas são
totalmente sofridas. Ele abandonou a casa pra ir atrás da riqueza, mas na
verdade o motivo é que não aguentava mais sua família. Ela conta que seu pai
morreu cedo e logo sua mãe colocou um outro homem dentro de casa. Esse que
sempre a abusava, principalmente quando bebia. Ele a encara com um olhar
encantador, paralisado como se um feitiço o tivesse atacado. Ela pergunta o que
está acontecendo e como resposta ele oferece mais uma vez sua cachaça. Acontece
pela segunda vez a recusa, seguido de uma breve explicação do rapaz
aventureiro:
- A bebida
pode ser a maior causadora dos problemas, mas também pode ser a cura deles.
Depois de risos dos dois ela acaba
aceitando um copo. E depois seguem mais dois, três copos, uma garrafa e no
final eles acabam encerrando aquele falso jantar com duas garrafas de cachaça
vazia. Decidem dormir e no dia seguinte caminhariam juntos até alguma civilização.
Trocam boa noite e a moça com uma aparência melhor deita com uma bela cara de
anjo. Ele fica admirando aquele rosto dormir o melhor dos sonos, sendo
iluminado pelo fogo da fogueira que ainda ardia. Depois de um tempo acontece
uma aproximação até o corpo feminino. Ele passa a mão pelo corpo dela e não
acontece nenhuma reação. Fica com um certo receio, aquela dúvida se há uma
certeza ou não pelo sono, mas resolve ir mais adiante. A mão passa por debaixo
da blusa e chega aos seios. Nenhuma reação é esboçada e o avanço continua.
Depois de um tempo ela está praticamente sem roupa e o abuso acontece. Um abuso
aquecido pelo fogo que parecia vindo diretamente do inferno.
No dia seguinte ela acorda muito
tonta pela ressaca da noite anterior e percebe estar sozinha no ambiente. Se
assusta e começa a olhar na redondeza. Pensa em gritar o nome do rapaz da noite
anterior, mas se lembra que essa informação não foi trocada com ele.
- Moço!...
Moço!... Moço!!
Depois de uns 5 minutos ela desiste
da gritaria e senta praticamente com um desespero estampado na cara. Quando o
pessimismo tomava conta, escuta gritos e barulho de correria. Do horizonte ele
vinha berrando:
-
Conseguimos! Conseguimos! Estamos ricos!
Levava em sua mão uma boa quantidade
de ouro. O suficiente para recomeçar a sua vida em qualquer cidade que
encontrasse primeiro. Deu um abraço nela e falou:
- Estamos
ricos.
- Estamos?
- É claro!
Quero que você viva comigo a partir de agora.
- Mas nem
sou sua esposa.
- Mas pode
ser. Quer casar comigo?
- Aiii... quero
sim!
E se beijaram. Foi um longo beijo.
Qualquer pessoa que estivesse vendo aquela situação iria dizer que até música
tocava ao fundo daquela cena. Começaram a fazer planos e seguiram o rumo até a
próxima cidade. Até que ela perguntou:
- E eu que
não perguntei o seu nome hein.
- Então
pergunta.
- Qual o seu
nome?
- João.
- O meu é
Maria. – respondeu ela antes de abrir o sorriso.
Mais uma longa caminhada pelo
deserto seco seguiu e nenhum sinal de civilização pela frente. A noite veio
mais uma vez e dessa vez mais estrelada que a anterior. Uma lua cheia iluminava
o chão como se fosse uma lâmpada das mais potentes. Estavam felizes. A mesma
situação da noite anterior se repetia, mas dessa vez Maria decidiu beber menos
cachaça. Parou em dois copos. João dessa vez deu sono mais cedo. Na hora em que
foi se deitar deu um super beijo em sua nova acompanhante e prometeu que o dia
seguinte seria totalmente diferente.
Maria olha o rapaz em seu sono
feliz. De repente é a mão dela que vai passeando pelo corpo dele. Dessa vez
começa pela região do peito e vai subindo, chegando ao pescoço delicadamente.
Nessa mesma hora, ela faz a maior força que já tinha feito na vida e
praticamente com suas duas mãos estrangula o pescoço dele. Depois de um tempo,
ainda suspirando, ela coloca sua mão perto do nariz do rapaz. Não existe mais
respiração. Ela se afasta e deita esperando o dia clarear. Logo assim que
amanheceu, ela pega o ouro que ele levava, sussurra no ouvido dele dizendo:
- Adeus,
João.
E vai embora seguindo seu rumo pelo
sertão de nosso país com a cara mais feliz que alguém poderia ver...
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